A cada nova geração anunciada para chegar nas salas de aula, uma enxurrada de livros surge nas principais livrarias para nos ensinar sobre as características desta juventude, suas peculiaridades e os desafios em lidar com ela. Matérias televisivas anunciam em paralelo sobre a primeira criança a nascer na próxima geração, no primeiro dia do ano, como se fosse uma alienígena, pertencente a uma nova espécie, fadada a ter comportamentos e valores diferentes dos nossos, que já habitamos o planeta há mais tempo. Atribuirão a estes seres humaninhos uma letra (no caso da vindoura geração, a letra Beta do alfabeto grego), um apelido (como foi com os Millennials, os Zoomers, A I-Gen, Digital Gen, geração Tik Tok, entre outros) e uma porção de características específicas. Mas, afinal de contas, quem é que define estas gerações e como eles sabem como serão as pessoas nascidas em determinado período de tempo?
Bem, a verdade é que não há um órgão regulador das gerações nem nada do tipo e, para entender um pouco esse papo geracional a gente precisa voltar no tempo para saber como e quando tudo isso começou. O primeiro a conceituar “geração” foi o lexicógrafo e filósofo francês Émile Littré (sim, o mesmo que dá nome ao famoso dicionário Le Littré de língua francesa), em 1863, definindo o termo simplesmente como “todos os homens que viviam mais ou menos na mesma época”, querendo enfatizar as diferenças entre as pessoas mais velhas com a “juventude”. Portanto, já surge como um artifício de diferenciação, de separação social.
Logo, ao longo das décadas seguintes, o tema atraiu a atenção de filósofos e sociólogos, que o refinaram e passaram a chamar de “geração social”. Foi o sociólogo úngaro Karl Mannheim quem explicou que as pessoas da mesma geração experienciaram os mesmos grandes acontecimentos durante a juventude e era isto que as uniam e tornavam-nas parte de uma mesma geração social. Desta forma, a definição de geração, usada até hoje, é que são pessoas que nasceram em determinada época e vivenciaram os mesmos eventos históricos e foram influenciadas pelo mesmo contexto social, cultural e tecnológico.
De onde vêm as gerações?
Certo, mas e de onde é que vêm os nomes (e os apelidos) das gerações? Não existe um único responsável por isso e muitas vezes estes termos são inspirados em um livro, uma música ou um acontecimento. Os Baby Boomers, nascidos entre 1946 e 1964, por exemplo, ganharam a alcunha por serem as crias do grande boom de nascimentos após a Segunda Guerra Mundial, quando as pessoas voltaram a acreditar em um futuro promissor e decidiram que era seguro voltar a trazer filhos para o mundo, tornando-se pessoas trabalhadoras em busca da segurança financeira.
Além dos Boomers, a Geração X foi outra que foi batizada de forma interessante. O “X” representaria a variável, o mistério: uma geração de pessoas de quem não se sabia o que esperar. Foi durante este clima de mistério que os autores se arriscaram a escrever livros com suas previsões e anseios e, entre eles, o canadense Douglas Coupland se destacou com seu “Geração X: Contos para uma Cultura Acelerada”, publicado em 1991, considerado o responsável pela criação do termo “Geração X” — que mais tarde ele confessou ter tirado de um livro de Paul Fussell de 1986. Foi a primeira geração a ver ambos os pais trabalhando e que precisou ser mais independente e, por isso, valorizar o equilíbrio entre a vida e o trabalho.
Daí para frente tivemos os Y, ou Millennials, nascidos de 1981 a 1996 e que cresceram durante o avanço econômico dos anos 90 e cuja juventude foi marcada pela virada do milênio (daí o apelido). Uma geração idealista e cheia de esperanças de mudar o mundo, mas que ficou conhecida por ter sido espremida entre os dedicados da geração X e os promissores da geração Z, sofrendo as mazelas das tecnologias, como a ansiedade e depressão por causa dos vício em telas e redes sociais, mais do que aproveitando seus benefícios.
A geração Z, conhecidos como zoomers, iGen, Digital Generation, de 1997 a 2010, uma geração que nasceu conectada e vivenciou grandes desenvolvimentos tecnológicos — e, portanto, de uma prometida proficiência com estas tecnologias e mais consciente do seu uso. São considerados mais desatentos e impacientes, características que herdaram do imediatismo proveniente da velocidade da internet atual, e de memória mais curta, já que uma rápida busca pode trazer qualquer informação que quiserem.
Mas o que isso tudo quer dizer?
Para a psicóloga social Leah Georges, isso não significa nada, nem mesmo que estas gerações de fato existam ou que, se existirem, possamos saber quem colocaríamos em cada uma delas. Segundo ela, estas gerações chegam a ter duração de muitos anos, o que significa que em determinado momento da história teremos uma pessoa de vinte anos e uma criança de um ano pertencentes a uma mesma geração; será mesmo que elas compartilham dos mesmos comportamentos e valores? “E esses estereótipos sobre cada geração criaram, de muitas maneiras, essa profecia autorrealizável, de que as pessoas começam a agir como se fossem parte daquela geração porque dissemos em voz alta que aquela geração é real”, disse Leah em sua apresentação na TedEd.
Antes de pertencermos a qualquer geração, somos indivíduos. “Mas acho que o que aconteceu é que esse foco em coortes geracionais, esses grupos de pessoas, criou um espaço em que simplesmente esquecemos que pessoas são pessoas”, acrescenta Leah. E, para além disso, pertencemos a diferentes partes do mundo, onde eventos históricos têm maior ou menor importância, vivenciamos culturas diferentes e até mesmo os avanços tecnológicos chegam em tempos diferentes, então por que precisamos aceitar as definições (ou profecias, como diria Leah) sobre quem somos, ou deveríamos ser, baseados na enxurrada de livros majoritariamente escrita para o público norte-americano e europeu?
Voltando para o básico
Émile Littré foi cirúrgico em sua definição de “geração” ao apresentá-la como a dicotomia entre os mais velhos e os mais jovens. A verdade é que, desde sempre, existe um receio das pessoas mais velhas em relação às pessoas mais novas e vice e versa. Elas virão ao mundo sem passar pelas mesmas experiências que nós passamos, terão uma infância diferente, vão querer mudar as coisas às quais nos acostumamos, pensarão de outra maneira a respeito da vida e, portanto, repetindo a máxima propaganda ao longo de tantas décadas, “esta geração está perdida”.
O apelo sensacionalista, somado às descrições estereotipadas das crenças, valores e comportamentos destes jovens, causa uma resistência (e, por que não dizer, um certo preconceito, o chamado etarismo) em quem veio antes, que já está aqui há mais tempo. Já fomos todos crianças e jovens um dia, ávidos por conquistar o mundo; mas atribuímos uma carga negativa — pejorativa até — a esta mesma ambição das novas gerações: são “impacientes”, “ensimesmados”.
As gerações na sala de aula
A geração atual é a Alfa, que já ocupa as salas de aula e deixam os professores mais tradicionais enlouquecidos; dizem que são impacientes, perdem rápido o foco, acostumados com tecnologias, nasceram com tablets e smartphones nas mãos e bombardeados por vídeos do Tik Tok. Mas os olhos já estão se virando para a vindoura geração Beta, de pessoas nascidas a partir de 2025. O que podemos fazer para conciliar as gerações de alunos e professores dentro das escolas?
“E se nós radicalmente, simplesmente, e não facilmente, encontrássemos as pessoas onde elas estão? Individualizaríamos nossa abordagem”, recomenda Leah. O indivíduo em suas próprias características, sem rótulos ou caixinhas, sem profecias a serem cumpridas por causa da data de nascimento na certidão e sem a certeza de que determinado evento histórico ou nova tecnologia moldou igualmente a cabeça de todos os jovens daquela idade. Podemos começar por aí, o que acham?
A partir do momento em que derrubamos o véu da geração que cobre o aluno e esconde suas verdadeiras, e únicas, características, encontramos outro ser humano e é daí que nasce o respeito e a harmonia na sala de aula. Se continuarmos a tratar os Alfas como um grupo estamos fadados à generalização que, a curto prazo, vai apenas nos trazer a frustração e o desânimo na atividade educacional, pois os desafios de enfrentar os estereótipos propagados pela mídia sempre serão maiores do que as conquistas em conhecer e formar indivíduos.
A comunicação é a chave do sucesso
Para entendermos como nos conectar aos jovens da atual geração Alfa e, futuramente, da Beta nas salas de aula, precisamos compreender e adentrar o universo deles: como se relacionam com a cultura e a tecnologia contemporânea. Primeiro, de uma forma ampla, quais são os formatos de conteúdos e entretenimento que consomem e como o fazem, e depois, de forma individualizada, tentando compreender cada indivíduo e suas preferências e comportamentos.
“E de repente, quando você encontra pessoas em sua unicidade, aquele lugar no mundo em que só elas se encontram, não estamos mais falando de uma geração. Estamos falando de Jim, Jen ou Candice. E aqui está o meu desafio para nós. Escolha uma pessoa, apenas uma, e explore sua unicidade. E então aprenda. E então, nos momentos em que for apropriado, ensine”, aconselha Leah. Adentrar o universo da pessoa para, então, por trás de suas barreiras e resistências, encontrar as oportunidades de ensiná-la.